( Por Ligia Tuon )

SÃO PAULO — O mundo passa por um “ponto de inflexão”, disse Ian Bremmer, presidente e fundador do grupo Eurasia, neste mês.

O tom dominou o 50º Fórum Econômico Mundial, que reuniu na última semana chefes de Estado, empresários, pensadores e celebridades em Davos, na Suíça.

Urgência e reformulação foram as palavras de ordem nos painéis, que foram das desigualdades extremas às mudanças climáticas, passando pela ansiedade com as mudanças no mercado de trabalho trazidas pela automação.

Veja alguns dos temas e momentos de destaque:

O ruído de Paulo Guedes

Em um painel já na terça-feira, o ministro da Economia disse que o maior inimigo do meio ambiente é a pobreza e que “as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer”.

A fala foi amplamente questionada. No contexto brasileiro, por exemplo, o desmatamento para fins de subsistência é uma porcentagem pequena perto da devastação em curso na Amazônia.

No dia seguinte, uma resposta indireta veio da parte de Al Gore, ativista e ex-vice-presidente dos Estados Unidos, que durante uma mesa sobre a Amazônia disse que desmatar para reduzir pobreza é dar falsa esperança aos pobres.

Em reunião fechada com empresários, Guedes tentou explicar seu raciocínio, dizendo que a questão é que as maiores cobranças ao Brasil vinham justamente de países que já destruíram suas florestas. “Agora falei certo?”, perguntou Guedes a interlocutores na saída da reunião.

A agenda de Guedes incluiu mais painéis, além encontros com investidores e empresários e conversas com representantes de outros governos.

Um dos anúncios feitos pelo ministro lá foi que as empresas estrangeiras poderão, a partir de agora, participar de licitações e outras concorrências em situação de igualdade com companhias brasileiras.

Ele também defendeu os “impostos do pecado”, termo usado por economistas para sobretaxação de produtos que fazem mal à saúde como cigarro e bebidas alcoólicas e açucaradas. Bolsonaro disse que concordava com o ministro em “99%”, mas não sobre subir imposto da cerveja.

Desigualdade

Uma pesquisa divulgada pelo Fórum no primeiro dia mostrou que cerca de 2 mil bilionários têm mais do que o dobro da riqueza do resto da humanidade combinada. Os dados foram levantados pela ONG britânica Oxfam, que pediu aos governos que adotem “políticas de combate à desigualdade”.

O assunto está ligado com a falta de mobilidade social, tema de um relatório do Fórum. O Brasil é um dos países mais desafiadores para quem quer ascender socialmente, na 60ª posição entre 82 economias.

Em um das sessões, Mohamad Al Jounde, um refugiado sírio que ganhou o Prêmio Internacional da Paz da Criança depois de construir uma escola para crianças que fugiram da guerra em seu país, disse que temia que o foco nas mudanças climáticas tirasse de cena temas como educação, desigualdade e saúde.

As pessoas que lutam para acessar o básico não acham que podem fazer algo sobre o clima, disse ele nesta sexta-feira (24).

Na mesma discussão, Achim Steiner, cientista, diplomata e ambientalista germano-brasileiro, disse que é a desigualdade que faz com que as pessoas acabem questionando a globalização.

Economia digital

Antes celebradas, as grandes empresas de tecnologia como Google Facebook, Apple e Amazon vêm sido mais cobradas pela sociedade civil e por órgãos reguladores.

No painel “Como Taxar Economias Digitais”, o secretário-geral da Organização para o Desenvolvimento Econômico e Cooperação (OCDE), Angel Gurria, disse que espera lançar as bases de um imposto digital já em 2020.

Há um ano, os países-membros da organização não conseguiram entrar num acordo, mas agora Gurria acredita que “um espaço de consenso poderia se abrir”.

Países europeus estão divididos sobre a melhor forma de cobrar impostos de companhias com sedes em outros países, e Trump ameaça retaliar quem começar a taxar as empresas americanas de tecnologia.

Greta não entende de economia. Mas e os economistas?

No primeiro dia do evento, o presidente americano disse em discurso que os “catastrofistas e suas previsões apocalípticas” deviam ser rejeitados. A jovem ativista sueca Greta Thunberg estava na plateia.

Horas antes, ela disse que nada estava sendo feito para evitar uma catástrofe ambiental e pediu a suspensão imediata dos investimentos em combustíveis fósseis.

Dois dias depois, o secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, disse que ela deveria “primeiro estudar Economia na universidade” para depois “voltar e explicar” seu pedido: “Quem ela é, economista-chefe?”, disse. 

Ao ser questionada sobre as declarações de Mnuchin, Greta disse não se sentir afetada: “Não têm qualquer efeito. Eles nos criticam desta maneira constantemente. Se nos incomodássemos, não poderíamos fazer o que estamos fazendo. Nós mesmos nos colocamos no centro das atenções”.

Greta pode não ser economista-chefe, mas Christine Lagarde é, e a das mais importantes: do Banco Central Europeu. O secretário Mnuchin participou de sessão com Lagarde no último dia de evento, sobre o futuro da economia global. E os dois, claro, discordaram sobre o assunto.

Emergência climática

No início do evento, o Fórum divulgou seu Relatório de Riscos Globais e, pela primeira vez em uma década, os cinco principais riscos identificados pelo estudo são relacionados ao meio ambiente, em especial a eventos climáticos extremos, como ondas de calor e enchentes.

Mas não há consenso entre os atores políticos. Mnuchin disse que o planejamento de longo prazo é inútil quando se trata de analisar e conter as mudanças climáticas, enquanto Lagarde disse que é crucial avaliar o risco que a mudança climática representa para os mercados financeiros e a economia.

Apesar da discordância, a grande maioria dos participantes dos painéis defendeu mudanças urgentes. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, disse que “seremos destruídos pelas mudanças climáticas, não pelo planeta. Isso será para nós uma indicação clara de que precisamos mudar de rumo”, disse.

Já o príncipe Charles expôs uma visão similar: “O aquecimento global, as mudanças climáticas e a devastadora perda de biodiversidade são as maiores ameaças que a humanidade já enfrentou”.

Davos como palanque

Grande parte do discurso de trinta minutos de Trump na terça-feira foi sobre o sucesso da economia americana, que está com o menor desemprego em 50 anos e PIB crescendo ao ritmo anual de quase 3%.

O presidente americano também não perdeu a oportunidade de criticar novamente o Federal Reserve, banco central americano, por baixar lentamente demais a taxa de juros.

O apresentador Luciano Huck, que vem se movimentado para ser candidato nas eleições presidenciais de 2022, participou pelo segundo ano do evento.

Ele falou a executivos numa sessão reservada, onde descreveu as atividades do Renova BR, movimento que apoia desde 2017, e ressaltou o desafio de levar “gente com ética” para a política. Acabou sendo chamado de “próximo presidente” por participantes.

Antes do início do evento, Huck escreveu uma carta para o site oficial do Fórum na qual citou como prioridades para o Brasil o meio ambiente, a renovação de lideranças e o combate à desigualdade. 

Guerra comercial

Em seu discurso. Trump também disse a um auditório lotado que recentes acordos comerciais com a China e o México representam um modelo para o século 21.

Já Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha até 2021, saiu em defesa o multilateralismo: “Sempre precisamos conversar, inclusive com nossos antagonistas”, disse no Fórum.

O contraste entre os dois líderes reflete a divergência que vem dando o tom no comércio global.

Profissões do futuro

Estudo divulgado nesta quarta-feira pelo Fórum diz que as profissões do futuro podem criar 1,7 milhões de novas oportunidades apenas em 2020. Até 2022, esse número pode subir para 6,1 milhões.

O estudo traz uma lista com 96 profissões que podem florescer nesse cenário, como Profissionais de Inteligência Artificial, Transcrição Médica, Cientistas de Dados e Especialistas de Sucesso do Consumidor.

“Não estamos necessariamente olhando para um futuro negativo em termos de empregos, mas o que estamos vendo é uma grande mudança em termos do conjunto de habilidades em cada trabalho e dos tipos de empregos que existirão no futuro”, disse Saadia Zahidi, diretora administrativa do Fórum.

Na mesma discussão participou Ivanka Trump, filha e assessora do presidente dos EUA, que destacou que “a indústria sabe quais empregos eles criarão e que empregos serão substituídos”

O futuro do capitalismo

“O capitalismo, como o conhecemos, está morto. Essa obsessão que temos em maximizar lucros apenas para os acionistas levou a uma desigualdade incrível e a uma emergência planetária”, disse Marc Benioff, fundador da Salesforce, empresa de software, durante um painel.

“Talvez, em algum momento, nós nos atrapalhamos um pouco ao pensar que ganhar dinheiro é o objetivo real da economia, onde o objetivo real é viver felizes aqui todos juntos”, disse Feike Sijbesma, executivo holandês e diretor executivo da DSM, na mesma sessão.

“O modo como fazemos negócios, vivemos e nos acostumamos na era industrial terá que ser mudado. Teremos que deixar isso para trás nos próximos 30 anos e teremos que mudar completamente para novas cadeias de valor “, disse Merkel em seu discurso.

Já o historiador escocês Niall Ferguson, em um painel sobre o futuro do capitalismo democrático, foi além: “O capitalismo é o pior de todos os sistemas econômicos possíveis, além de todos os outros que foram tentados de tempos em tempos.”

Foi uma referência a uma famosa fala do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill: “A democracia é a pior de todas as formas de governo, com exceção de todas as demais tentadas de tempos em tempos”.

Sem “hipocrisia” ou caviar para os ricos:

O Fórum, já acusado de hipocrisia climática pela chegada incansável de helicópteros e limusines, quis mostrar seu lado mais verde e lançou uma ambiciosa campanha para plantar ou salvar “um bilhão de árvores”. A medida permitiria capturar CO2, mas que não tem nenhum efeito nas emissões.

Além de proibir utensílios de uso único, a cada 10 refeições servidas, apenas uma tinha carne vermelha. A proteína de origem bovina não podia ser oferecida duas vezes seguidas para a mesma pessoa.

Em todos os encontros de líderes, era obrigatório ter ao menos uma opção vegetariana, preferencialmente vegana. Alimentos sofisticados, como caviar, lagosta, foie grass e trufas, foram banidos do cardápio. De sobremesa, frutas.

 
 
Fonte: EXAME
[Originalmente publicada em 25 de Janeiro de 2020 às 08h00]