Por Giselle Ouchana e Rafael Galdo

RIO – Onde falta quase tudo, o almoço, quando tem, pode ser arroz com feijão puro. Essa é a rotina no casebre de Belford Roxo onde mora Aparecida Matias. Raramente ela põe no fogo o que chama de “misturinha”, um pedaço de pelanca que pede no mercado ou outra carne que ganhe dos vizinhos. Em Bangu, Alessandra Alves também se deita preocupada com o que vai comer no dia seguinte. Na única refeição da quarta-feira passada, nem feijão tinha, só arroz com pão. As duas compartilham o medo da fome e de outras tantas ameaças que rondam cerca de 652,4 mil pessoas em situação de extrema pobreza no Rio — um aumento de 47,07% em relação a cinco anos atrás.

Entre 2014 e 2018, pelo menos 208,8 mil habitantes do estado — mais que toda a população de uma cidade do porte de Nova Friburgo — caíram na miséria, segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, divulgados este mês. São pessoas que se viram com menos de R$ 150 por mês (ou US$ 1,90 por dia, conforme critério utilizado pela pesquisa). E, em meio a penúrias de um estado em processo de recuperação fiscal, enfrentam o desemprego e a dependência de programas sociais.

Alessandra, o marido Edinei da Silva e três filhos vivem essa aflição. Eles dividem R$ 108 mensais do Bolsa Família e o pouco de dinheiro que conseguem catando latinha e vendendo balas no acesso à Favela Vila Aliança. Há cerca de um ano e meio, Edinei perdeu o emprego de auxiliar de serviços gerais, com carteira assinada e um salário mínimo, e a sobrevivência se tornou quase um malabarismo.

— Não sobra nem o dinheiro da passagem para procurar trabalho. Sequer lembro a última vez que cozinhei carne em casa. A geladeira e o armário estão vazios — diz Alessandra.

Ao passo que a pobreza atingia mais fluminenses, o Rio, segundo o IBGE, foi o estado em que o desemprego mais subiu no país: 138%. O índice passou de 6,3% em 2014 para 15% em 2018. Foi o fator determinante para o atual cenário, diz o pesquisador Carlos Antônio Costa Ribeiro Filho, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj:

— Passamos por uma crise forte, iniciada em 2014, quando as taxas de desemprego aumentaram. Esse quadro não foi revertido, e não é possível enxergar um horizonte promissor para os próximos anos.

Diante da derrocada, aumentou também o número de beneficiários do Bolsa Família no Rio: de 827,8 mil famílias, em 2014, para 875,3 mil, em 2018. Mas o pesquisador do IBGE Leonardo Athias observa que as ações do programa federal não foram suficientes para anular os efeitos da crise. Além disso, destaca, o valor atual do Bolsa Família, de R$ 89 por pessoa, não supre nem os R$ 150 que caracterizam a situação de miséria.

— É o principal programa social, mas, ao longo dos anos, não foi atualizado a ponto de acompanhar os valores da linha de extrema pobreza. Enquanto isso, os mais pobres vivem nos lugares mais precários enfrentam os maiores obstáculos para manter os filhos na escola — afirma.

Já o programa Renda Melhor — uma espécie de Bolsa Família do governo estadual — foi suspenso em 2016. Hoje, afirma a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, há uma crescente demanda pelos principais equipamentos de assistência social cofinanciados pelo estado, como os Centros POP, que atendem moradores de rua.

Devido à recuperação fiscal, o governo admite enfrentar restrições para implementar novas iniciativas. Mas afirma ter planos como reabrir restaurantes populares e criar mais um espaço para acolher pessoas em situação de rua na Região Metropolitana.

A prefeitura do Rio, que mantém o Cartão Família Carioca, não se manifestou. Na capital, o total de miseráveis passou de 118 mil, em 2014; para 147 mil, em 2018.