por Amauri Terto

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Quadrinista e mestre em história da arte pela USP, Marcelo D’Salete lançou no último mês de novembro sua nova graphic novel: Angola Janga – Uma História de Palmares. Como o subtítulo sugere, a obra apresenta uma nova perspectiva sobre o mais famoso polo de resistência negra do Brasil colonial.

Publicado pela editora Veneta, obra de 432 páginas é fruto de um processo de pesquisa que durou ao todo 11 anos. Nesse período, o autor paulista se debruçou sobre documentos, em textos e imagens, disponíveis em locais como o Museu Afro Brasil, em São Paulo, Memorial de Palmares, em Alagoas – além de estudos acadêmicos.

Ao longo dos anos de pesquisa, D’Salete lançou outros trabalhos também dicados à temática racial, incluindo Noite Luz (2008), Encruzilhada (2016) e Cumbe (2014) – este último foi publicado em Portugal, França, Estados Unidos, Alemanha, Austria e Itália. “Minha tentativa é falar sobre o Brasil a partir de algumas experiências marcantes e da perspectiva da população negra e da periferia”, diz o autor.

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Em Angola Janga, D’Salete combina ficção e realidade para narrar a história de Zumbi, principal liderança do quilombo, e de outros importantes personagens daquele cenário, tais como Antônio Soares, Ganga Zumba e Ganga Zona. Em entrevista por telefone ao HuffPost Brasil, ele conta que as fontes históricas sobre Palmares e sobre as relações que se deram na região são em geral de autoria de pessoas que almejavam a destruição do quilombo. “Eram documentos de soldados, de governadores de Pernambuco, eram documentos de pessoas que queriam de fato acabar com aquele local”.

Ele explica que parte dos acontecimentos que aparecem na graphic novel é referentes aos fatos registrados nesses documentados. “A gente sabe, por exemplo, que houve uma tentativa de acordo de paz [entre a Coroa Portuguesa e o quilombo], protagonizada por Ganga Zumba e Ganga Zona. A gente sabe que o principal mocambo de Palmares, chamado de Macaco, foi destruído em 1694. E que Zumbi morreu quase dois anos depois”, enumera.

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Entretanto, a trabalho toma certa distância de versões oficiais e se aproxima da criatividade ao recriar a memória de uma época a partir da visão dos personagens negros que fundaram e construíram o local de resistência.

“O que eu tentei no livro foi elaborar narrativas a partir das pessoas que estavam dentro de Palmares, dentro de Angola Janga. E para isso a ficção é muito importante. É a partir dela que a gente consegue imaginar como seria a vida daquelas pessoas naquele momento”, conta o autor. O desejo inicial do autor era construir personagens com objetivos, interesses e complexidade. Para ele, o resultado final apresenta uma “visão muito pessoal sobre Palmares”.

O título da graphic novel vem da língua kimbundu e significa “pequena Angola”, que era como os negros reunidos em Palmares chamavam a região. “É uma obra que flerta e dialoga com a História, mas tenta conduzir isso de uma forma interessante enquanto ficção”, afirma.

D’Salete lamenta que o Quilombo dos Palmares, que teve 100 anos de duração, não receba destaque nas escolas. “Ele aparece no ensino escolar como um anexo dentro da nossa História. E, na verdade, Palmares foi muito maior e mais complexo”, diz o autor sobre a região que compreendia mais de dez mocambos espalhados na Serra da Barriga chegou a abrigar mais de 20 mil quilombolas. “Quando a gente pensa no século 17, dentro do contexto colonial brasileiro, Palmares representou um papel marcante e definidor de políticas geradas tanto naquele período quanto posteriormente”, completa.

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Avesso a uma abordagem superficial sobre a história do local de refúgio ou destaque único da figura de Zumbi, o quadrinista defende que a narrativa do Quilombo dos Palmares seja revisitada para que haja um real entendimento sobre o que ele representa para o Brasil. Ele cita a tentativa de acordo de paz entre o líder Ganga Zumba e a Coroa Portuguesa como um fato importante pouco explorado nas narrativas e que oferece ajuda para se compreender a resistência negra no País. Essa tentativa, que se repetiu em diferentes momentos da história do quilombo, cerca de dois anos e também é retratada no livro. “E é lógico que ela foi uma tentativa de persuadir e de dividir os palmaristas porque acabar com todos aquele mocamos era algo impensável. Era muito difícil”, explica.

“Tentei elaborar narrativas a partir das pessoas que estavam dentro de Palmares, dentro de Angola Janga.”

O anseio do quadrinista por um olhar mais atencioso sobre o significado de Palmares para o Brasil encontra eco em uma recente medida internacional que reafirma o legado do maior e mais conhecido quilombo do Brasil. No mesmo mês em que Angola Janga foi lançado, a Serra da Barriga, região que abrigou o quilombo na então Capitania de Pernambuco, recebeu o título de patrimônio cultural do Mercosul.

No próximo ano, a graphic novel de Marcelo D’Salete será lançada em Portugal e na França. Novos leitores vão tomar contato com uma nova perspectiva da resistência da população negra escravizada no Brasil. Mais pessoas poderão, assim, alcançar uma nova compreensão do que é ser brasileiro. “Sem compreender a história de alguns grupos específicos como negros e indígenas, nós não conseguimos compreender como foi a História do Brasil e como essa História permanece ainda hoje”, acredita o autor.

Fonte: HUFFPOST BRASIL Originalmente publicada em 08/12/2017